Todo lo que era
sólido, de Antonio Muñoz Molina
A crise financeira de 2008 eclodiu em Espanha praticamente da mesma forma e pelas mesmas causas que nos Estados Unidos: a explosão da bolha imobiliária, que mantinha a riqueza artificialmente alavancada. Naquela época, um terço dos trabalhadores espanhóis tinha um contrato de trabalho temporário. Foram maciçamente despedidos. O desemprego saltou de 13,8%, em 2008, para 18,7%, em 2009. E, enquanto o PIB resvalava, o índice continuava sua curva ascendente, chegando a 20,1% em 2010.
Até 2008, ano da crise, Espanha
era tida como o bom aluno da União Europeia. A transição democrática fora
pacífica, sem o derrame de qualquer gota de sangue, a expansão do sector
imobiliário conduzira a um excepcional desenvolvimento, que suscitou
inesperadas taxas de crescimento económico. Mas, quando a bolha imobiliária
rebentou, disseram-se adeuses aos amanhãs cantantes…
Hoje, passado todo este tempo
sobre o início da crise, (e com outra crise no horizonte próximo), não se
vislumbra qualquer luz ao fundo do túnel e o desespero parece omnipresente.
É nesse contexto que o escritor e
ensaísta Antonio Muñoz Molina avança, em 2013, com um inventário, que não
mostra qualquer complacência com os seus compatriotas. Em “Todo lo que era
sólido”, houve a pretensão de abordar as causas da crise, explicando-a em
função do apego dos espanhóis às suas tradições, esclerosados pelas hierarquias
sociais e incapazes de lerem devidamente o seu passado. Porque, a seu ver, a
transição democrática ainda está por concluir: as estruturas do franquismo
continuam a agir na sombra. Uma boa formação ou competências não bastam para
chegar a um bom emprego: mantem-se a preponderância da família e das “cunhas”. A
corrupção está generalizada da administração à classe política passando pelas
altas esferas da justiça. E a família real não prima pela excepção.
Antonio Muñoz Molina confessa-se
farto, apelando a uma mudança radical nas mentalidades. Em vez de continuarem a
ocultar as verdades, que incomodam e a atirar todas as culpas para cima da
Europa e de Angela Merckel, os espanhóis deveriam assumir as suas
responsabilidades, avançando com uma criteriosa autocrítica e então
desenvolverem um espírito cívico verdadeiramente democrático.
Antonio Muñoz Molina foi
agraciado com o prestigiante Prémio Príncipe das Astúrias em 2013.
(Agora, olhando, introspectivamente,
cá para o nosso rectângulo, que outrora também foi rotulado de “bom aluno” da
Europa, as semelhanças são por demais óbvias, diria mais, cretinamente óbvias.)
Fica a sugestão de leitura.
Pedro Mendes
Comentários
A minha perspetiva é que, aquilo que se tem vindo a passar, particularmente na última década, é a expressão do modelo de economia/sociedade a chocar contra a barreira dos seus próprios limites. Como acontece sempre que um modelo esgota o seu potencial de soluções para os problemas que criou. E que, como também sempre aconteceu, apenas em rotura e fora desse sistema terão possibilidade de encontrar solução.
nelson anjos
nelson anjos
"Durante décadas, pareceu que o mundo tinha aprendido com tantas guerras e fracassos e, lentamente, ia caminhando para variadas formas de integração. Por exemplo, avançou o sonho duma Europa unida, capaz de reconhecer raízes comuns e regozijar-se com a diversidade que a habita. Lembremos «a firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do continente». E ganhou força também o anseio duma integração latino-americana, e alguns passos começaram a ser dados. Noutros países e regiões, houve tentativas de pacificação e reaproximações que foram bem-sucedidas e outras que pareciam promissoras."
"Mas a história dá sinais de regressão. Reacendem-se conflitos anacrónicos que se consideravam superados, ressurgem nacionalismos fechados, exacerbados, ressentidos e agressivos. Em vários países, uma certa noção de unidade do povo e da nação, penetrada por diferentes ideologias, cria novas formas de egoísmo e de perda do sentido social mascaradas por uma suposta defesa dos interesses nacionais. Isto lembra-nos que «cada geração deve fazer suas as lutas e as conquistas das gerações anteriores e levá-las a metas ainda mais altas. É o caminho. O bem, como aliás o amor, a justiça e a solidariedade não se alcançam duma vez para sempre; hão de ser conquistados cada dia. Não é possível contentar-se com o que já se obteve no passado nem instalar-se a gozá-lo como se esta situação nos levasse a ignorar que muitos dos nossos irmãos ainda sofrem situações de injustiça que nos interpelam a todos»."
Cecília Pedro
Haverá um défice de democracia em Portugal? Há de certeza um défice de instrução (educação), esse vasto pacote que abrange todos os défices e também todos os créditos. Havendo défice na educação há défice em tudo o resto, logo também na democracia. A democracia é uma causa pública, uma causa de todos e constrói-se com participação, com cidadania, com responsabilidade política, responsabilidade essa não no sentido de um qualquer alinhamento partidário, mas sim, exclusivamente, responsabilidade pelo que é público, pelo que é de todos. Assim, mesmo os casos de corrupção, de compadrio, de abuso de poder, etc., têm origem nesta falta de educação. Tanto corruptores como corrompidos têm uma visão torpe e distorcida da sociedade, no fundo uma má formação, sendo quase sempre o lucro fácil aquilo que invariavelmente os move, nunca avaliando (ou avaliando mas não querendo saber) o que as suas acções poderão provocar nos cidadãos mais próximos ou no conjunto da sociedade, dependendo da escala.
Ou seja, estou convicto de que a haver um défice de democracia no nosso país, ele se deve quase exclusivamente a um défice enorme de instrução.
É por essa falta de instrução que ciclicamente surgem (ressurgem) as ditaduras, normalmente associadas a conflitos ou a depressões económicas e sociais. Os populismos são o pontapé de saída. Invariavelmente representados por um único indivíduo ou por um pequeno grupo de indivíduos sem qualquer educação política e que se afirmam por meio de curtas frases feitas, sobre meia dúzia de situações que facilmente se poderão considerar indignas ou indignantes. E então, uma vez mais, temos os oprimidos a eleger os seus futuros opressores.
Veja-se o que se passa por esse mundo fora, quanto mais baixa é a instrução dos povos mais casos de ditadura se sucedem, sendo o contrário também verdade, ou seja, quanto maior a instrução, maior a participação dos cidadãos na vida pública, maior a cidadania, mais democracia.
Quinteiro