“Oxalá esta história fosse diferente. Oxalá fosse mais
civilizada. Oxalá me mostrasse a uma luz melhor, se não mais feliz, pelo menos
mais ativa, menos hesitante, menos distraída com banalidades. Oxalá tivesse
mais forma. Oxalá fosse uma história de amor, ou de entendimentos súbitos e
importantes para a vida, ou até de pores do sol, pássaros, tempestades ou neve”
A HISTÓRIA DE UMA SERVA , de Margareth Atwood
Não me sinto completamente preparada para falar a respeito
deste livro que me caiu nas mãos e que, não sendo excecional sob o ponto de
vista literário (minha visão), é um alerta para o que pode acontecer, e
acontece, pelo mundo
Trata-se de uma sociedade radicalmente transformada por uma
revolução teocrática em que a mulher perdeu completamente o seu estatuto e a
sua individualidade ficando a pertencer a alguém.
O seu nome passa a ser o do chefe da família em que é
inserida. A sua vida vai ser comandada por uma rotina a que não pode fugir.
Não pode ler nem escrever e, para tal, nas simples tabuletas
das lojas as letras com os nomes foram substituídas por desenhos.
Não pode ter um emprego, nem conta bancária ficando
completamente à mercê de quem lhe garante uma cama onde dormir e a comida para
o seu sustento.
Neste livro estamos perante uma sociedade imaginária, mas
sabemos que são realidades para muitos (ou muitas) e chegam sempre pela mão de
extremismos religiosos e de direita.
Chegam devagar, devagarinho… e vão se instalando!
Marília Pinho
Comentários
O que nos ocorre de imediato à ideia, como exemplo real, é a situação da mulher nas sociedades islâmicas. Um certo olhar ocidental, que é tudo menos inocente, apela a uma certa tolerância, à pala do manto – ou do mantra – da cultura. Mas, pior do que isso é que, no quadro das sociedades islâmicas não se trata de cultura: trata-se mesmo de natureza. Aquela condição é entendida como sendo a que está em conformidade com a natureza da mulher.
Pelos nossos lados – apesar de tudo já longe dos extremos do mundo islâmico – a questão é justificada com um duplo equívoco: o mito da herança “judaico-cristã” por parte das sociedades ocidentais. O primeiro equívoco é que não há uma “tradição judaico-cristã”, mas sim duas tradições: uma judaica e outra cristã. O segundo equívoco é que, ao contrário da cultura patriarcal judaica, a tradição cristã – construída precisamente na base da luta de Jesus (JC) e dos seus seguidores contra a sociedade do seu tempo (judaica) – é tudo menos patriarcal. Quer a tradição bíblica quer os testemunhos historiográficos atestam o protagonismo da mulher no ministério de JC. A começar desde logo pela sua mãe – Maria; – comparado com quem, o seu pai não passaria de um ilustre desconhecido. E as testemunhas do túmulo vazio! – não foram três mulheres? Que segundo alguns historiadores poderão mesmo ter testemunhado a própria crucificação de JC, ao contrário dos apóstolos que “basaram” (como se diz em Angola). E Maria de Magdala (Madalena)? – que terá tido também um papel importante nas atividades de JC?
E por aqui me fico já que, nem cristão – no sentido religioso do termo – nem professo de qualquer outro credo, ainda me arrisco a ser confundido com o padre da minha freguesia.
nelson anjos