Gostaria de abordar novamente o tema apresentado pela Rita na sua intervenção de há duas semanas. Recordo que no seu texto, a Rita narrava uma situação em que, numa conferência, se viu confrontada com uma "Professora Doutora" que defendia a ideia de que as crianças deveriam, a bem de um desenvolvimento equilibrado e harmonioso, ser apenas sujeitas a emoções positivas. Este é o tipo de ideias às quais se adequa a qualificação "bullshit", e aparentemente Tolentino Mendoça comunga da minha ideia, se bem que com outra elegância.
Acreditar que um crescimento harmonioso e equilibrado dispensa a experimentação de emoções negativas é, a meu ver, uma ideia tão absurda como acreditar que a terra é plana. Tanto uma como a outra são teorias desmentíveis por uma mera observação atenta da realidade. Uma criança que não passa por emoções negativas é uma criança que não aprende a perder. É uma criança que, ao longo da sua vida, vai fazer a típica cena "Agora ninguém joga mais porque a bola é minha!!!" sempre que a coisa não lhe correr de feição, é uma criança que vai amuar a cada contrariedade, e acreditar que o mundo está todo contra si, e vai, derradeiramente, frustrar-se porque a vida não lhe dá aquilo que lhe ensinaram que ela merece: Tudo e mais alguma coisa, acrescido deste mundo e do outro, independentemente das suas acções. Enfim, vai permanecer criança a vida toda, no pior que se pode ser em ser criança.
José Tolentino Mendonça dá algumas boas dicas, para miúdos e graúdos.
Francisco Anjos
A Casca e a Pérola
Esse caminho é feito de etapas que podem receber denominações
diferentes, mas, se quisermos, se reconduzem a três (e representam, na verdade,
mais tomadas de consciência do que sequências temporais propriamente ditas). Em
algum momento devemos rever a nossa ideia sobre a fragilidade, aquela que nos
pertence e a dos outros. A fragilidade é a língua falada por toda a criação.
Ignorar essa língua é não só renunciar à possibilidade de tocar quotidianamente
a vida nas suas minúsculas declinações, de a abraçar na sua forma real, mas é
arriscar também não chegar a ouvir o que de mais belo ela tinha para nos dizer.
A fragilidade não é um acidente, é uma linguagem comum, uma condição. Tomar
consciência disso ensina-nos a julgar menos, a integrar mais harmoniosamente, a
cuidar e a contemplar melhor. Outra etapa fundamental é a compreensão de que
tudo é dom. A terra onde pousamos os pés e o ar que respiramos; a chuva que
parece abreviar os dias ou o sol que os alonga; o silêncio e a palavra; a
companhia e a solidão; o enigma e a procura; o princípio e o fim. Como se diz
num velho romance de Georges Bernanos, "Que importa? Tudo é Graça." A
perceção de que tudo é dom ajuda-nos a vencer a desconfiança em relação à
existência e a olhá-la na sua inteireza, em vez de a reduzirmos a um
inconclusivo jogo de opostos. Creio que é desse modo que aprendeemos - e é a
terceira etapa - a potencialidade generativa do que nos cabe viver. É que não
nos custa apenas o pensamento da morte, a que tentamos escapar e mascarar o
tempo todo. Não nos desorienta somente o reconhecimento da transitoriedade que
faz de nós viajantes e arrendatários mais do que donos. Também nos custa
admitir - e fazê-lo com liberdade do fundo da alma - que o verbo nascer seja um
verbo ainda para nós, um verbo a ser conjugado a cada instante do nosso
itinerário. Preferíamos considerar essa tarefa arrumada e, contudo, é
interminável, inacabada, inescusável a ação de nascer. Mas há como que um
sobressalto de revitalização, quando aceitamos o incessante desafio a nascer.
Comentários
Continua-se, contudo a eleger crianças mimadas e birrentas para ficar à frente disto... vejam-se Bolsonaros e Trumps. A mim também me espanta!
Por outro lado, e como tantas vezes acontece, as considerações do comentador - no caso o Francisco - parecem-me bastante mais transparentes, claras e esclarecedoras da sua opinião, que também subscrevo, do que a crónica do artista principal.
nelson anjos