Regresso a Eduardo Lourenço
Quando não me parece esperável o tal
rasgo de génio nalgum dos tais “10 Melhores Livros do Ano”, todos os anos
anunciados pelas editoras mediadas pela última palavra dos “críticos literários”,
que justifique o seu custo, mas principalmente o tempo exigido para a sua
leitura, refugio-me nos de sempre: Eça, Camilo, Aquilino.
O exaurido discurso dos líderes
partidários, em campanha, leva-me a atitude idêntica. E fui uma vez mais desembocar
em Eduardo Lourenço, para intervalar a leitura de Uma Teoria da Democracia
Complexa de Daniel Innerarity. Que desde já recomendo.
“ (…)
Sejamos lúcidos: a campanha presidencial passada, por mais curta que seja a
nossa memória cívica, se alguma coisa demonstrou foi que não havia, nem há,
nenhuma Esquerda em Portugal que possa ser sujeito de um projeto político,
económico e social com aquele mínimo de coerência e de credibilidade capaz de
encarnar duradoiramente uma solução viável para a vida nacional. (…)” (Eduardo
Lourenço, A Esquerda na Encruzilhada ou Fora da História?, Gradiva, 2009)
O extrato é de um texto de análise crítica
relativo às eleições presidenciais de 1986, ganhas em segunda volta por Mário
Soares. Miseravelmente, decorridos trinta e seis anos continua a fazer sentido.
De Jerónimo de Sousa, de mão pateticamente estendida a um PS, mais de direita
do que de “esquerda”, a um BE onde veneráveis referências alimentam bate-papos
televisivos com figuras do passado fascista, ou aquecem, com o excelentíssimo
traseiro, a cadeira do Conselho de Estado que lhes coube, desenha-se o pântano que
hoje temos. Dos debates da campanha em curso tem estado olimpicamente ausente
qualquer ideia inteira, de estratégia para o país, limitando-se as conversas –
por vezes “peixeiradas” – ao imediato, a um conjunto caótico de estilhaços avulso,
de onde se encontra arredia qualquer ideia de unidade, sem a qual não existe o
que se possa chamar um Programa. Que inventarie, reflita e proponha
soluções para os problemas centrais das nossas sociedades, – a saber:
desigualdades sociais, desemprego, mudanças climáticas. Porque não as tem, nem cultura
acumulada para as produzir.
Não é de surpreender que assim seja:
afinal, continuamos a ser o povo do qual apenas uma “grande minoria chamava
fascismo” à ditadura (Eduardo Lourenço em O Labirinto da Saudade). Para
a esmagadora maioria era apenas o “sistema” e o “não me meto em política que
tenho família e filhos para sustentar! A minha política é o trabalho!” (hoje
meto-me em política porque tenho família e filhos para sustentar). Nos dias
seguintes ao 25 de Abril apressamo-nos a levantar o braço “fascismo nunca mais!”
– assegurando-nos previamente, por detrás da cortina da janela, do “lado para
onde as coisas tombavam”. Mais tarde apressamo-nos a ocupar a malha
burocrático-administrativa na qual, entretanto, o arremedo de revolução ia
deixando de o ser. E a tratar da vidinha, aproveitando – que no aproveitar é
que está o ganho! – as novas oportunidades, com a mesma desenvoltura com que
muitos, já no regime anterior o tinham feito. Que isto de viver não custa: o
que é preciso é saber! – Cereja em cima do bolo, mais tarde elegemos Salazar como
“o maior português de sempre”.
Tornando-se cada vez mais evidente que
uma “democracia” confinada ao seu reduto plebiscitário será incapaz de produzir
soluções para os grandes problemas de hoje, nas legislativas do próximo dia 30 provavelmente
não votarei.
nelson anjos
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Cecília Pedro