Uma Teoria da Democracia Complexa
“As nossas sociedades estão a “consumir” o seu futuro de um modo insustentável (Cullen 2014, 76). De um ponto de vista ecológico, demográfico, financeiro, somos sociedades distraídas no tempo presente e incapazes de tomar o futuro em suficiente consideração, como as atuais circunstâncias exigem. Esta dificuldade de relacionamento com o nosso futuro é uma das causas que explicam o triunfo da insignificância nas atuais democracias mediáticas, a nossa insistente distração com o curto prazo. (…)”
Inicia-se assim o capítulo 10 de “Uma
Teoria da Democracia Complexa” de Daniel Innerarity. O autor parte da ideia
de que as sociedades humanas constituem uma realidade de complexidade
tendencialmente crescente, cada vez mais em confronto quer com os modelos
criados para as representar quer com os instrumentos desenvolvidos para as
regular. Que remontam, no essencial, ao advento da revolução industrial e aí
permanecem estáticos. Ignorando o óbvio: que o mundo mudou. Nomeadamente, por arrasto
do desenvolvimento verificado nas ciências da natureza, e das tecnologias daí
resultantes. As ciências sociais, inicialmente inspiradas, em muitos aspetos, nas
ciências naturais, viriam a ficar irremediavelmente para trás. Onde se
encontram hoje.
Entre as diversas abordagens que o autor
propõe para fazer face a este hiato, e à complexidade da esfera do social, onde
impera ainda uma visão míope e infantilizada, destaco o que tem a ver com a necessidade
de alargar o âmbito daquilo que Innerarity caracteriza como o sujeito
das nossas democracias:
“ (…) O sujeito da democracia somos
“nós”, mas pode acontecer que esse sujeito já não esteja totalmente incluído na
lista daqueles que têm direito a votar (…). Pois bem, partindo desta perspetiva
proponho que levemos a sério os “novos eleitorados” que irromperam com a
realidade da interdependência, do feminismo e da questão ecológica: os
habitantes de outros países, as gerações futuras, as mulheres e as espécies não
humanas. (…)”
E por cá? Que fazer no próximo dia 30? –
O apelo de Manuel Alegre à tradição e “àquilo que é nosso” não me seduz.
Temo que a tradição volte a ser o que já foi e leve os “alegristas” a reclamar
o direito a caçar humanos e a comer um belíssimo cadáver de churrasco, ou
coração e fígados de sarrabulho; – para começar, apenas em dias de festa. Claro
que, dou a mão à palmatória, de quando em vez também como um ou outro pedaço de
cadáver, geralmente frango, mais raramente porco ou vaca. Mas confesso que me dá
muito mais prazer ver os animais vivos do que mortos.
E que dizer dessa veneranda e
arqueológica instituição – o partido – que ciclicamente nos interpela, sempre
com inquestionáveis certezas, para que exerçamos o direito de intervir, de uma
forma manifestamente primária – o voto em exclusividade – nesse tal
espaço da sociabilidade humana, afinal ainda tão escassamente estudado?
Não subscrevo todas as propostas do
autor, mas recuso sem reservas a “democracia do imediato”. Do mesmo modo o faço
relativamente à democracia minimalista e naífe que vigora. Por exemplo, num
quadro de voto ponderado – não seria exigir muito – admitindo um crédito
de dez pontos por eleitor, os meus seriam assim atribuídos: LIVRE, 4 pontos;
BE, 3 pontos; CDU, 2 pontos; PAN, 1 ponto; (Para os restantes 0 pontos e, para
alguns, seria mesmo de prever a possibilidade de pontuação negativa).
No sistema existente, depois de muito
refletir votarei no LIVRE (se até à hora de votar não me arrepender). Porque me
parece, dos quatro, o menos complexado e mais disponível para acordos com outros.
O PS é cada vez menos um partido do sistema e cada vez mais … o sistema. Onde
nem sequer falta a componente do “Portugal profundo”, de tique pacóvio e
resquícios de feudalismo rural hors d’époque. Maioria absuta? – o meu
voto é também contra ela.
nelson anjos
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