«O Varandim» é a primeira novela
do livro publicado pela Porto Editora, dotado, como habitualmente, de uma
riqueza vocabular inerente à marca identitária do autor.
A história passa-se num país
imaginário chamado Svidânia, que vive um ambiente muito similar ao do Império
Austro-Húngaro na viragem do século XIX para o século XX. Ou seja com a
tradição ainda muito vincada nas mentes, mas com as ideias progressistas a percorrerem
o seu caminho numa sociedade pouco ciente das transformações por que será em
breve obrigada a passar.
Será nesse ambiente que, um
conjunto de anarquistas, pouco experientes, falham um atentado contra o
grão-duque, vendo-se condenados à morte.
A exemplo da Roma Antiga, os
nobres e os burgueses da cidade têm pouco com que se divertirem, pelo que, uma
execução pública aguça obrigatoriamente a curiosidade.
O Varandim do título será, pois,
o da casa de um conde arruinado, Zoltan, de onde se poderá assistir ao
enforcamento dos revolucionários de uma localização privilegiada. Pode-se,
então, imaginar quão tormentosos se tornam os dias do bondoso Zoltan que
rejeita a pena de morte, mas não se consegue livrar de quem precisa da sua
cunha para comparecer ao grande acontecimento do ano.
É esse o enquadramento em que
nós, leitores, somos convidados a mudar de tempo e de lugar para nos evadirmos
para a demonstração prática de um conjunto de situações semelhantes às do nosso
próprio momento histórico. Com gente atraída pelo espetáculo e não pela sua
substância, incapaz de se libertar de preconceitos e de se querer valorizar ao
máximo no juízo alheio...
No «Ocaso em Carvangel» há um
jovem notário filho de um burguês falido que migra para a cidade. Uma mulher
jovem, filha de um alfaiate falido, procura casamento. Várias mulheres procuram
casamento. Vários homens sonham enquanto vivem de mãos nos bolsos vazios. E uma
cidade inteira espera pelo navio Maria Speranza que os leve a todos.
Todos sonham com o misterioso navio…
Entretanto os pescadores matam-se uns aos outros; as mulheres digladiam-se
pelos maridos; o assustador canhão da cidade nunca dispara; as espingardas
matam grifos e abutres; e o navio que tarda… Carvangel é esta terra de onde
todos sonham fugir…
Impossível resistir a Mário de
Carvalho…
Pedro Mendes
Comentários
Escrito num registo naturalmente diferente, mas a fazer lembrar esse grande romance de Raul Brandão: "Húmus".
nelson anjos