Uma Teoria da Democracia Complexa (III)
Escusados pruridos e
dúvidas de académicos, relativamente a certezas de data e autor, A Arte de
Furtar é um livro do Pe. António Vieira publicado pela primeira vez no ano da
graça de 1652. Em 1952, precisamente três séculos após, Jorge de Sena
dedicou-lhe uma epígrafe em que substitui o termo furtar por verbo mais
prosaico – roubar, – que mais tarde José Afonso cantaria (Epígrafe
para a Arte de Furtar):
Roubam-me Deus
outros o Diabo
- quem cantarei?
Roubam-me a Pátria;
e a Humanidade
outros ma roubam
- quem cantarei?
(…)
No que nos respeita, e de quanto se
sabe, ao tempo de Vieira éramos – como dizer? – mais tangíveis em substância de
roubo. De África roubávamos os homens; do Brasil roubávamos o ouro.
Hoje, Daniel Innerarity regressa ao
tema, desta feita para nos acusar de roubar, nem mais nem menos que o tempo.
Mais concretamente o tempo futuro. Ora, roubar o tempo, ainda que os
ingleses tenham dito que “tempo é dinheiro”, já seria tarefa complicada. Roubar
o tempo futuro – algo que ainda não existe – torna-se naquilo para que apenas o
nosso Querido Presidente possui a palavra exata: um “berbicacho”. Para tornar a
coisa mais inteligível, Daniel Innerarity dá-lhe uma designação antiga:
colonialismo. Ai Daniel, Daniel ! … as alterações climáticas estão a dar-te
cabo da cabeça!
“ (…) As nossas sociedades estão a
“consumir” o seu futuro de um modo insustentável (Cullen 2014, 76). De um ponto
de vista ecológico, demográfico, financeiro, somos sociedades distraídas no
tempo presente e incapazes de tomar o futuro em suficiente consideração, como
as atuais circunstâncias exigem. Esta dificuldade de relacionamento com o nosso
futuro é uma das causas que explicam o triunfo da insignificância nas atuais
democracias mediáticas, a nossa insistente distração com o curto Prazo. (…)
(…) Do ponto de vista cultural, na
lógica do consumo, em relação ao meio ambiente, mas também através das nossas
práticas democráticas praticamos um imperialismo que já não é espacial mas sim
temporal, do tempo presente, que coloniza tudo. Há uma colonização do futuro
que consiste em viver à custa dele. Um imperialismo do presente que absorve e
parasita o tempo futuro. (…)”
nelson anjos
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