A Metamorfose do Mundo
Ulrich Beck, autor de A Metamorfose
do Mundo – Como as alterações climáticas estão a transformar a sociedade,
foi acometido de morte súbita – ataque cardíaco – em 2015, quando trabalhava no
seu livro. A que a sua companheira e colaboradora deu a forma final com que
chegou ao público leitor.
Para Beck, a metamorfose do mundo – o
tempo que nos é dado viver – é uma malha de múltiplas metamorfoses que se
verificam em todos os domínios da existência, sem plano prévio e sem
estratégia:
“(…) A metamorfose do mundo é uma coisa que acontece; não é
um programa. A “metamorfose do mundo” é uma expressão descritiva e não
normativa.
(…) Não é intencional, programática e ideológica, e não é
travada, mas, ao invés, impelida pela inação política. Não emerge dos centros
da política democraticamente legitimada, mas decorre – como um “efeito
secundário” social e juridicamente construído – dos cálculos de lucro da
economia, dos laboratórios de tecnologia e da ciência. (…)”
Entre as muitas que o autor aborda, uma das
áreas mais facilmente percecionáveis pelo grande público é a metamorfose das
novas parentalidades:
“(…) Isto dá origem (independentemente das intenções e do
entendimento dos médicos especialistas em reprodução) a opções historicamente
novas e até então desconhecidas, e também a categorias sociais, da maternidade
e paternidade: “mães sociais”, que “encomendam” e “compram” um filho; “doadores
de esperma” e ”doadoras de ovos” que vendem os “materiais” biológicos para
“fazer” um filho; “mães substitutas” que carregam a criança; “mães sem pai”;
“pais sem mãe”, mulheres “grávidas” após a menopausa; “pais homossexuais”;
“mães lésbicas”; mães e pais cujos parceiros estão mortos (há muito); avós que
têm um neto concebido após a morte do filho ou da filha; e assim por diante.
(…)”
Para clarificar a sua ideia o autor compara
a metamorfose com outras experiências de mudança profunda que o homem já
experimentou ao longo da sua história. Como por exemplo a “época axial”, de que
fala Jaspers. Centrada entre os anos oitocentos e duzentos antes de Cristo, em
que o espírito humano produziu as grandes religiões e o pensamento
sistematizado dos grandes filósofos, na Grécia antiga. Ou os momentos
revolucionários, como a Revolução Francesa. Mas, na visão de Ulrich Beck, a metamorfose
está para além de tudo isto.
“(…) As alterações climáticas não são alterações climáticas;
são mais que isso e uma coisa muito diferente. São uma reforma dos modos de
pensamento, dos estilos de vida e dos hábitos de consumo, da lei, da economia,
da ciência e da política. (…)”
Outro dos domínios onde o abalo silencioso
da metamorfose vai abrindo brechas, na perspetiva de Beck, respeita ao
protagonismo decrescente do estado-nação e à inércia dos seus instrumentos de
governo, para lidar com os novos cenários criados pela sociedade de risco
global, em favor da CIDADE:
“(…) Não fazer nada ativamente é a estratégia política mais
barata, mais poderosa e mais barata para “simular” a controlabilidade de riscos
incontroláveis e de catástrofes em aberto, como a radiação e as alterações
climáticas.
(…) Dada a resistência dos Estados-nação à colaboração
transfronteiriça e à política cosmopolita, é importante “virarmo-nos para a cidade”,
tanto em termos epistemológicos como políticos, a fim de descobrir ou
estabelecer instituições alternativas para comunidades cosmopolíticas de risco
partilhado abordando os múltiplos problemas de uma modernidade cosmopolizada
sem perder a democracia que os Estados-nação tradicionalmente garantiam.
(…) A humanidade
começou o seu caminho aventuroso rumo à política na “polis” – a cidade.
Descendo à terra – à nossa – seria
desejável que, por cá, desde logo a nível autárquico, para além de listas de caras
alternativas, novas formas alternativas de instituições e de governo, e de políticas,
fossem ensaiadas pelos chamados “movimentos independentes”, que muito
saudavelmente se procuram distanciar do lamaçal partidário; – essa venerável peça
de arqueologia social da primeira revolução industrial (já vamos na terceira)
que se mantém igual à forma com que nasceu. Para que a metamorfose da
democracia não resulte em extrema-direita, num qualquer dos seus diversos
heterónimos.
nelson anjos
Comentários
No fundo, estamos a criar uma esperança que nos trará desigualdades em todos os aspectos e a impossibilidade de avançar para 'salvar' o nosso planeta...
Cecília Pedro