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              Houvesse um sinal a conduzir-nos

              E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Termos das árvores

              A incomparável paciência de procurar o alto

              A verde bondade de permanecer

              E orientar os pássaros

 Daniel Faria “Explicações das Árvores e de outros Animais” 1998

 

Não é que algum dia tenha sido um leitor de poesia assíduo e de conhecimentos vastos, mas a obra de Daniel Faria interessou-me desde os primeiros versos que li.

No poema aqui apresentado, chamou-me particularmente a atenção o facto de, à partida, o autor assumir a inexistência de um sinal a conduzir-nos. Ora, isto torna-se particularmente interessante se soubermos que Daniel Faria era profundamente religioso, tendo mesmo alimentado aspirações a uma vida clerical, e que a indagação espiritual atravessa a sua obra de forma constante. Da minha perspectiva (sempre subjectiva no que toca a textos poéticos), existem duas interpretações possíveis que se destacam entre as demais que me tenham ocorrido. A primeira é a de que este poema tenha sido escrito num momento de crise espiritual, que levasse o autor a questionar a existência de algo semelhante a uma orientação divina. A segunda hipótese, que me parece evidente e merece a minha preferência, é que o sentimento religioso de Daniel Faria se encontra num patamar muito distante da dimensão dos santinhos e dos pastorinhos, na qual se agrupa a generalidade da população cristã. Lendo um pouco mais da obra de Daniel Faria, fico com a ideia de que a religião teve para ele uma dimensão amplamente filosófica e introspectiva, uma forma de procurar a resposta à velha questão: Porquê?

Já esta análise, convém saber, foi feita pelo pensamento de um ateu. Outras mentes de crenças religiosas bem arreigadas terão, provavelmente, interpretações díspares. De uma forma ou de outra, aqui fica, como sugestão, um poeta que vale a pena conhecer.

 Francisco Anjos

Comentários

“Tudo ao molho e fé em deus!”. Ou antes: esqueçamos deus, a fé, e fiquemo-nos pelo molho. Esta não será certamente a forma mais canónica de iniciar um exercício de reflexão sobre temas místicos, ou espirituais, claro! Mas vamos tentar.
Como se sabe, a reflexão mística não tem que convocar necessariamente a ideia de Deus. Seja lá isso o que for: o dos pastorinhos, o do Papa Francisco ou o do Jorge Jesus. Por mim, que sou agnóstico, fico-me por isso mesmo: pela ignorância, que tem a mesma raiz que agnóstico. E manda o bom senso que nos calemos, sobre aquilo de que nada sabemos. Mais ainda quando, como dizia o outro, nem sequer isso sabemos muito bem. E quanto à fé, pelo menos no seu sentido religioso, por aí me fico também.
Quanto ao “molho”, é mesmo mais do que isso: é uma molhada. Não existe o que quer que seja que não possa suportar uma reflexão mística. Ou espiritual. O campo da filosofia agrada-me mas descobri mais tarde a física moderna. E achei extraordinário como uma área que antes se auto elogiava como “ciência exata”, progressivamente foi avançando por territórios cada vez mais vizinhos de regiões de névoa, ambiguidade, dúvida. Arte. Por vezes a convocar um certo espírito “religioso”.
Mas o comentário já vai longo. Não conhecia Daniel Faria. Se gostas de poesia com um certo ambiente místico, sem por isso perder em qualidade e elegância, do que conheço o melhor é Ruy Belo.

nelson anjos
Quinteiro disse…
No nosso pequenino dia-a-dia, neste mundo globalizado, vamos conhecendo o que todos conhecem, mais grave, aquilo que alguém, pessoa ou colectivo, decide que nós devemos conhecer. Estamos a deixar progressivamente de fazer as nossas próprias avaliações, as nossas próprias escolhas.

Ao contrário disso o Francisco traz-nos uma figura invulgar (pelo pouco que li), de uma grande sensibilidade, praticamente desconhecida. Muita pena que se tenha finado tão novo.

Gostei muito do poema. Acho-o de uma beleza suave, luminoso. Tenho que ler mais.
Quinteiro

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