O PASTOR - EUGÉNIO DE ANDRADE
Pastor,
pastorinho,
onde vais
sozinho?
Vou àquela
serra
buscar uma
ovelha.
Porque vais
sozinho
pastor,
pastorinho?
Não tenho
ninguém
que me queira
bem.
Não tens um
amigo?
Deixa-me ir
contigo.
Foi com nove anos que li Eugénio de Andrade pela primeira
vez. O professor Carlos solicitou no seu tom firme e gentil e eu li. Depois
pediu-me que explicasse o que tinha lido e eu expliquei. Perante toda a turma
ele elogiou a minha explicação de criança de nove anos habituada a ouvir em
casa a poesia da palavra cantada na voz do Zeca, do Chico...
Só muito tempo mais tarde é que me apercebi do quão
importante e construtor é o som que ouvimos em casa e que nos é oferecido na
escola. O som que vem do berço e embala toda a “crianção” até à idade adulta
consegue moldar o pensamento e abre portas às dimensões emocionais que cada um
pode aspirar.
Com nove anos soube explicar que este poema é um diálogo
entre um pastor e alguém que quer ser seu amigo.
Com vinte e cinco anos soube que nem toda a gente adulta
percebe a linguagem poética nem as entrelinhas de linhas escritas em qualquer
lugar.
Com trinta e quatro anos vi-me pastor, sozinha na serra à
procura das minhas ovelhas.
Com quarenta e um sou amiga de um pastor que andava sozinho
na serra...
Provavelmente virei a ser ovelha daqui a uns aninhos!
E quem dera poder um dia vir a ser alguém que escreve com
metade da genialidade do Eugénio de Andrade.
Rita Anjos
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