Populismos
“O Espetro dos Populismos, Ensaios Políticos
e Historiográficos”, cuja leitura desde já se recomenda, é uma antologia coordenada
por Cecília Honório (Edições Tinta da China), que reúne textos de autores
diversos, dos quais, pela originalidade da abordagem, nos suscitou particular interesse
“Crítica da Cultura Política do
Salazarismo”, de Luís Trindade.
Na
sua reflexão, o autor defende que os significados inscritos na ideia de salazarismo extravasam largamente os
limites que a cronologia historiográfica normalmente lhes estabelece. Segundo o
seu pensamento existiu algo que antecedeu o quase meio século de ditadura, que
não é diretamente impotável à figura central do regime. E que este apenas se terá
limitado a usar, como capital já realizado, em favor do seu projeto político: uma
enraizada cultura de atavismos e provincianismo, herdada do velho Portugal
rural, húmus sem o qual não teria sido possível alimentar o regime durante um
tão longo período de tempo. Foi sempre mais fácil, a julgar até pela menor
atenção que o autor lhe dedica, entender os ecos que prolongaram o regime muito
para além do Estado Novo do que aquilo que o antecedeu. “A pesada herança” foi um eufemismo que entrou em voga logo a seguir
à queda do regime, para referir esse prolongamento do legado salazarista
enraizado nas mentes, – não poucas vezes usado também para justificar erros e
limitações imputáveis ao próprio processo revolucionário. Perdão: democrático!
A verdade
é que, a caminho do meio século pós Abril, a ideia da “pesada herança”, de
forma implícita ou explícita, continua ainda a ecoar no inconsciente coletivo
como um fator decisivo na explicação da “democracia
de baixa qualidade” que temos, – como a classifica, entre outros,
Boaventura de Sousa Santos. Ou, como diz Mário de Carvalho a propósito da praxe académica (Jornal de Letras, Artes e Ideias, outubro de 2018): “(…) velho portugalório, agachadinho e mendigo, servil e reles, pingue
de misérias morais, coio de fascismos (…)”.
(Também … não era preciso exagerares Mário!)
Manifestações deste prolongamento no tempo de atavismos promotores de fascismo,
são por exemplo casos como os de Reguengos de Monsaraz, a “família autárquica
de Elvas”, Pedrógão, e tantos outros que a media refere regularmente,
mais os que ficam silenciados nos labirintos das catacumbas autárquicas. Com
relevância para os municípios do interior do país, sem escrutínio público
efetivo, como destacam Manuel Carvalho e Daniel Oliveira, em artigos publicados
respetivamente no Público de 22 de agosto e Expresso de 29 do mesmo mês, de
2020, e já aqui referidos em texto anterior.
Também em tempos ainda não muito distantes um autarca desta variante
de democracia – “democracia de interior” – em Miranda do Corvo, não se coibiu
de afirmar, em sessão comemorativa do 25 de Abril, que “a ditadura não teve
apenas coisas más; também teve coisas boas”. Como por exemplo – viria a
afirmar em tribunal – as escolas. Até há pouco, em Viseu, uma dessas escolas
exibia ainda, na fachada, uma lápide onde se afirmava, com eloquência, a
excelência da escola salazarista: “A escola é a sagrada oficina das almas”.
Que “Portugal tinha
necessidade das colónias” – foi outra tirada do tal “democrata de interior”.
De uma direita nostálgica das “virtudes e glórias do antigamente” a uma “esquerda”
assintomática e manietada por uma teia de cumplicidades e favores, a
respeitável Assembleia assobiou para o lado e ninguém ouviu fosse o que fosse. Uma
vergonha para Rui Rio que, ainda recentemente, se sentiu na obrigação de exigir
a André Ventura que se distanciasse de Salazar – a tal “moderação” – em vez de
perceber que já não estamos em tempos de tais excessos de zelo democrático. Pelo
menos no “interior”. Afinal, não foi em 2007 que Salazar foi eleito “o maior
português de sempre”, num programa de televisão? – E, como diz a velha “sabedoria”
portuguesa, “uma mão lava a outra e as duas batem palmas “. É a normalização
do pântano em que se transformou esta democracia de gatas, pronta a ser montada
por qualquer Ventura – que por aqui terá clientela assegurada, – e onde
prolifera desde o pequeno compadrio autárquico aos escândalos
económico-financeiros, que fazem manchete regular nos órgãos de informação.
Ressalve-se que os abjetos exemplos atrás
referidos, não desobrigam do justo reconhecimento devido a muita gente honesta,
ainda envolvida na gestão da coisa pública. Aqui se deixa a devida chapelada.
nelson anjos
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